domingo, 31 de outubro de 2010

Quatro

Imagens. Sim, todas elas. Acordar de súbito. Há um vermelho. Qual será? qual será o a cor de que é feita a cor, como qual será o corpo de que é feito o corpo? Olhei para o lado. Para o outro. Para frente, enfim. Havia uma luz densa. Caminho na direção dela. Caminho e, então, todos os lados estão feitos da mesma luz. Nem meu peito está visível. O branco no dentro da luz está se tornando vermelho. Está, pouco a pouco, o vermelho, todo ele, está se tornando cada vez mais a si mesmo. Então não há rosto. Não há olhos. Não há corpo. Há apenas o vermelho. E toda essa sensação é pedra e seca. O vermelho. Estou o vermelho que está. Que está neste sonho maldito. Acordar. Acordar, enfim! que eu não estou suportando. Abrir os olhos! Abrir os olhos! Abrir os olhos! Os olhos!!!

Então, súbito, enfim, por fim, ele acorda gritando. A repiração ofegante, o coração acelerado absolutamente. Olhar o quarto em volta. Se achar vivo. Acender um cigarro. Não. Não pode ser. "O que está faltando?" pergunta, em voz alta, a madrugada do lado de fora. Ninguém responde. Fica sendo o silêncio e a madrugada. Dormir novamente. Que está cansado para as perguntas e para as respostas. Abrir os olhos. Enfim.

Três

Particularmente, não sou grande frequentador de M. de Assis. Mas hoje ele acordou me dizendo: "Tenha confiaça. Conte com as circunstâncias, que também são fadas. Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso. Pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.".

Viajar este domingo.

sábado, 30 de outubro de 2010

J. número dois

Queria dizer que o dia começou com o ódio. Pensar que as coisas serão alcançáveis enquanto vivas. Minha impaciência é um sintoma do medo da morte. A liberdade custa e é larga. É tarde, há noite lá fora. Mas a imagem do corpo dela não cessa de invadir minha lucidez. Acho que estou me perdendo. Mas sou denso e vermelho. O fato é que estou distante da coisa-ela-mesma. E o acaso guarda a possibilidade da morte. Como explicar que minha vontade é de ter o corpo nos olhos, que não deve existir maneira outra de possuir. A paixão pelo inominável. Essa é a dor dos poetas. Agora sou uma necessidade de nomear que, de antemão, sei: será frustrada. Meu dia começou com o ódio. Mas há paciência em todo o corpo. Acima de tudo, a de existir. Enquanto existir, haverá. O que, pergunto eu aos deuses todos. Há noite lá fora e estou confuso. Meu corpo é feito de sensações-agora. O espanto tem suas ambiguidades. É preciso não conhecer uma coisa para se espantar com ela. Há formas e formas de se saber as coisas. Espantar é um exercício do olhar. Poesia é feita de espanto. E só que meus olhos estão feitos à pedra.

domingo, 24 de outubro de 2010

J.

Os cheiros do corpo dela, eles dizem que sim. Minha língua investigando seus lábios, o por detrás das orelhas, as curvas do braço, da cintura, da explosão contida do corpo dela. O cheiro do corpo de J. não é decifrável. O que será palpável naquele corpo? Não vou saber dividir e nomear seus fragmentos. Acho, acima de tudo, que não quero. Porque as coisas, em verdade, são divisíveis. Não consigo, deus, ter o corpo de J. com face de uma ideia. Que, sim, J. só pode ser inteira: J. não é definitivamente uma mulher que se possua, que se tenha, que se nomeie. O nome maior de J. não é J.: é: